quarta-feira, 30 de abril de 2014

FORMAÇÃO DE FORMADORES

FORMAÇÃO DE FORMADORES EM PRESÍDIO


INTRODUÇÃO
             Diante da solicitação para que atuássemos na área da formação de formadores, sob uma perspectiva freiriana, nossa primeira tarefa foi selecionar dentre a bibliografia de Paulo Freire, duas obras que fossem mais condizentes com o trabalho dos educadores e educadoras que atuam nos presídios da região oeste do estado de São Paulo. Selecionados: “Cartas a Guiné-Bissau” (FREIRE, 1984) e “Professora sim, tia não” (FREIRE, 2003); propusemos a leitura de um texto de apoio, baseado no fichamento prévio para as educadoras e educadores. O texto com mais de 40 páginas não teve a receptividade que esperávamos e com razão, pois diante da heterogeneidade das e dos componentes do grupo ficou difícil encontrar um argumento forte para a leitura do artigo.

               Avaliamos que o melhor seria iniciar um diálogo sobre a necessidade de leitura, ainda que fosse necessário um forte investimento de trabalho para que se concretizasse uma leitura mais aprofundada.

            Através de conversas telefônicas e também pelo correio eletrônico fomos trocando impressão e nas reuniões pedagógicas (acontecem mensalmente com um calendário combinado), construímos momentos onde estas angústias foram sendo verbalizadas e escritas. O nosso objetivo principal era pensar juntos sobre o papel do formador e da formadora em presídios, com todas as dificuldades e alegrias que um trabalho como este proporciona.

            Propusemos um artigo elaborado por nós “Paulo Freire na tecitura do saber”, (ALVES, 2006) com 10 páginas, onde estão presentes fatos da vida cotidiana do professor Paulo Freire, com destaque para “Pedagogia do sonhos possíveis” organizado por Ana Maria de Araújo Freire (2001), com a transcrição literal do conteúdo de um artigo “Os filhos do Capitão Temístocles e a Galinha Pedrês”, onde Paulo Freire narra a aventura de garotos famintos sacrificando a galinha do vizinho para saciar a fome.

         Como integrantes de uma camada da população intensamente exploradas, os monitores-presos conseguiram captar os pressupostos de análise ética propostos com o artigo. Esta compreensão trouxe várias análises da intensa exploração a que são submetidas as pessoas das camadas pobres deste país. Diante das manifestações dos monitores presos que recebemos por carta, ficou evidente que a provocação proposta com o artigo foi frutífera.

        Dessa maneira temos trabalhado, sempre propondo a continuidade do trabalho, focalizando a formação dos monitores e monitoras orientadoras, com continuidade no processo de trabalho com os monitores presos.

JUSTIFICATIVA 
         A escolha de uma educação popular teve como protagonista essencial o
monitor-preso: figura de educador popular no presídio.

          A Fundação “Profº Drº Manoel Pedro Pimentel” – Funap, na Regional de Presidente Prudente tem na figura do educador preso (temos somente presídios destinados ao público masculino) um professor ocupando as salas de aula nos presídios.

             A estrutura educacional nos presídios é assim composta:
 Monitoras e monitores orientadores  monitores presos ↔ aula de alfabetização
  •  Monitoras e monitores orientadores ↔ monitores presos aulas de 5ª a 8ª séries.
  •  Monitores e monitores orientadores ↔ monitores presos ↔ aulas do ensino médio.
  •  Monitores e monitoras orientadores ↔ posto cultural: biblioteca, cursos profissionalizantes, atividades culturais, línguas estrangeiras, artes, artesanatos, atividades esportivas, atendimento recreacional às crianças filhas dos presidiários em dias de visitas, etc.

            Como o monitor preso, em muitos casos não cursou a faculdade de
Pedagogia ou mesmo um curso de licenciatura, há a necessidade da construção da sua identidade como educador, que possui algumas particularidades devido à sua condição de preso.

             Quando a educadora ou educador chega nos presídios, há um susto
diante das dificuldades para conseguir encontrar-se com a equipe de trabalhadores presos, pois muitas escolas ficam dentro dos raios (divisão das celas em setores) e dependem de várias instâncias de poder para entrar nas gaiolas (locais com grades dos lados e em cima, que dão acesso aos portões). Até mesmo para definir sua postura como educador ou educadora, construindo uma identidade de persistência para o trabalho é percurso dolorido e difícil.

              No caso do monitor ou monitoras estagiárias há o tempo reduzido para
ganho da experiência, pois ficará no máximo dois anos no trabalho. Esta dificuldade procuramos minorar construindo instrumentais que pudessem servir como roteiro para as atividades cotidianas, permitindo um delineamento das atividades que exigem um investimento do desejo vivo de construir a escola dentro do presídio. Esta construção vai muito além do espaço físico, pois o espaço educativo é desvalorizado, dado lugar a um espaço essencialmente punitivo.

             O educador ou educadora da Funap também é um preso ou presa aos
olhos dos conservadores funcionários da equipe de segurança. Cada reunião
mensal se transforma em uma espécie de injeção de ânimo, onde podem falar de suas angústias e de necessidade da existência da escola. Há então, uma luta constante entre os objetivos declarados de punir (FOUCAULT, 1987) mais que tudo, e educar, apesar das grades.

             Para compreender a importância de sua identidade profissional fomos, durante os encontros mensais, organizando o uso do tempo em vários percursos formativos delineados como:
              1. a pedagogia libertadora de Paulo Freire;
              2. a crítica da prisão como mantenedora de status quo capitalista exploratório;
              3. a eficiência dos procedimentos burocráticos para melhor uso do tempo para formação dos educadores presos;
              4. o descolamento dos circuitos de gozo para a formação teórica necessária.

              Ainda que não tenha realizado trabalhos diretamente com educadores e educadoras que atuam nos presídios, Paulo Freire nos legou uma forte base teórica, de práxis epistemológica que tem colaborado para sustentarmos nosso desejo de trabalho. Desde as primeiras escolhas que fizemos, de suporte teórico, temos avaliado que a compreensão da quebra das grades do poder passa por um investimento na formação, com a leitura, as discussões, as escutas de qualidade e principalmente a coragem para ousar.
               Algumas educadoras que atuam como estagiárias nos presídios cursam as disciplinas de EJA na FCT/UNESP em Presidente Prudente, no curso de Pedagogia, coordenado pela Profª Drª Maria Peregrina de Fátima Rotta  Furlanetti, onde atuo como monitora da área. Quando compartilhamos os textos lidos e a própria história de EJA no Brasil, ficam evidentes os mecanismos de opressão que são utilizados tanto fora como dentro dos presídios (SILVA, 1997).

            Com estas discussões temos conseguindo uma maior eficiência no diálogo com os diretores de Educação e Trabalho, pois diante dos argumentos bem construídos e a seriedade do trabalho fica difícil negar o direito que o preso possui à educação.

         Ainda vivemos, no Brasil, uma fase de lutas para garantias de direitos, que pode ser aprofundada com o conhecimento sobre a necessidade da construção da autonomia. (FREIRE, 1996).

          Com uma disponibilidade de tempo muito acima da média, os educadores presos conseguem ler com atenção os textos que servem como base para as discussões teóricas, garantindo a criticidade para o trabalho prático.

          Uma das questões mais sérias é responder às questões da atuação na
sala de aula, pois diante de uma educação conservadora, uso de cartilhas, através das quais muitos aprenderam a ler e escrever, é preciso ter argumentos para comparar a teoria com a prática de sala de aula. Há uma dicotomização entre a teoria libertadora, que eles compreendem, e uma prática conservadora, que nem sempre admitem.

           As formações colaboram para a compreensão profunda nas mudanças de atitudes, de procedimentos, de respeito para com os jovens e adultos, afastando, aos poucos a dicotomia teoria/prática.

OBJETIVOS
a) Realizar as reuniões pedagógicas mensais, buscando respeitar as dúvidas dos e das monitoras orientadoras e dos monitores presos;
b) Organizar e discutir com os monitores presos, em reuniões pedagógicas dentro dos presídios, os textos de apoio; as abordagens teóricas da educação e suas práticas em sala de aula;
c) Pesquisar nos diversos órgãos de educação (MEC/SECAD, SE/CENP), institutos de educação, ONGs, etc), possibilidades para a construção da identidade do educador popular e sua autonomia;
d) Organizar cursos e formações com outras entidades em sistema de parceria.

RESULTADOS
          Os educadores e educadoras que participam desse processo de formação têm registrado suas conquistas, como trecho da avaliação desses educadores presos, quando escrevem sobre a obra e a vida de Paulo Freire: “Creio que ele (Paulo Freire) quer que nós educadores, sintamos as supremas necessidades dos alunos, ele quer que “saciemos a fome” deles: a fome do aprender, do ler, do escrever, do interpretar...”.

        Um outro educador manifesta-se assim sobre o trabalho de Paulo Freire:
       “Como observador que sou, vejo a necessidade da educação presente emcada reeducando. Há aqueles que passaram por uma sala de aula e não deram importância e há aqueles que não tiveram a oportunidade de frequentar uma escola, ambos convivem no dia-a-dia com a necessidade extrema de uma alfabetização melhor ou básica.”

        A capacidade crítica é um dos predicados exigidos para a seleção dos monitores presos, diante de uma proposta de Educação de Jovens e Adultos que busca respeitar o jovem e adulto presos, com todas as suas características. Diante da especificidade da EJA, os (as) formadores (as) avançaram muito nesse trabalho. Nas primeiras reuniões pedagógicas, realizadas em maio de 2006, era possível observar várias frases do senso-comum como: “formar um cidadão crítico-reflexivo”, “capacitar para uma educação libertadora”, “realizar uma educação construtivista”; sem que existisse o conhecimento da teoria e da prática que fosse condizente com
as falas e escritos.

           Ao desvelar a história de vida de educadores e educadoras e as diversas concepções de abordagens teóricas que sustentam ou não uma educação libertadora, podemos dialogar com tranqüilidade com estas educadoras e educadores. Houve avanços significativos na experiência pedagógica, agora de fato muito mais “reflexiva”.

          Um dos momentos, onde este avanço ficou evidente foi durante uma formação com consultora do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira – Célia Maria Rey de Carvalho, ocorrida em abril de 2007, com a participação de componentes da Funap de todo o estado de São Paulo.

         Este investimento na formação, não só permite uma discussão política sobre a EJA em presídio, como colabora com a formação profissional dos (as) estagiários (as), além de delinear para os educadores presos um caminho possível, ao conquistarem a liberdade.

Autores: Ivonete Aparecida Alves, FCT/UNESP
Fundação Profº Drº “Manoel Pedro Pimentel” – Funap 
Regional de Presidente Prudente – São Paulo/SP
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